Não paramos de brincar porque envelhecemos, envelhecemos porque paramos de brincar. Frase atribuída a uma senhora de 103 anos.
Brincar é elemento da natureza humana, mas por alguma razão, fomos obrigados a parar de brincar para nos tornarmos sérios, o tempo todo. Winnicott escreveu: “É no brincar, e talvez apenas no brincar, que a criança e o adulto fruem na sua liberdade de criação”.
Somos seres sociáveis e brincantes. Nos expressamos, experimentamos e jogamos quando brincamos. Gostamos de ver crianças brincar livremente, mas veneramos também o controle. Em pouco tempo as colocamos na escola e logo gastam manhãs inteiras em uma sala fechada cumprindo regras, e deixamos apenas 20 minutos de vida – quer dizer, recreio. O brincar se torna cada vez mais apertado na grade diária, pois a tarde são as lições de casa e a agenda de atividades a cumprir. Mãe, posso brincar um pouco? Não, meu filho, agora é hora de coisa séria.
Há alguns anos um termo novo surgiu para pesquisadores sobre educação, preocupados com baixo índice de criatividade e inovação das novas gerações. Quociente de imaginação. Dados do Mailman Segal Institute of Childhood Studies, na Flórida, demonstram que o poder de imaginação de uma pessoa contaria mais no futuro acadêmico e de trabalho dela do que os tradicionais testes de QI que apenas medem uma forma de inteligência. A Academia Americana de Pediatria tem realizado campanhas para os pais brincarem mais com os filhos e se concentrarem, inclusive, em brinquedos simples como caixas de papelão, areia e gravetos que estimulam a imaginação, do que apenas novidades tecnológicas.
Os filhos crescem e se tornam jovens, cheios de vida, mas cheios de simulados, inúmeras disciplinas a cumprir, uma agenda lotada de compromissos. Depois os TCCs, os estudos e notas a atingir para a alegria dos pais e professores. E o tempo para brincar? Brincar? Já sou adolescente pai. Que mico! Mas quando possuem uma réstia de tempo estão lá às gargalhadas brincando com os amigos. Porém, o fazem escondidos pois sabem que adultos mais velhos vão julgá-los pois precisam se dedicar ao futuro com seriedade.
Então eles seguem seu curso da vida. Se formam, não tem muita certeza do que fazer ainda, mas uma coisa é certa: estão se tornando pessoas sérias e confiáveis para o mercado de trabalho e a sociedade. Quase no ponto, entram numa empresa bonita, com espaços estilosos e frases de efeito nas paredes, como: nossa missão é oferecer o melhor produto do mundo com amor, responsabilidade e qualidade. Eles se empolgam e dizem: Puxa, agora sim, poderei ser eu mesmo, mostrar todo meu talento e minha capacidade. Com seriedade seguem em frente, cumprindo regras, missões e tarefas. Afinal foram devidamente treinados para isso. O tempo de trabalho é praticamente o mesmo dos tempos de escola, pois já estão habituados. Percebem que se cumprirem direitinho às demandas corporativas, ficarão ali seguros por muito tempo. Por isso arriscam pouco, preferem seguir o padrão e cumprir as metas com toda seriedade do mundo. Inovar pra quê, se sou relevante com o básico que faço. Brincar? Oi? Não entendi. Brincar?
O tempo passa. A vida também. Aqueles jovens energéticos e cheios de sonhos, se tornaram exímios cumpridores de deveres e sérios realizadores de tarefas. Tudo como manda o manual. Alguns estão até hoje na mesma empresa, outros mudaram de endereço mas seguem firmes na disciplina de servir. Nos últimos anos esses profissionais maduros têm ouvido que muitas de suas tarefas de repetição serão absorvidas por softwares. Ou que sua capacidade técnica e alta especialidade já não são mais suficientes. Alguns são mandados embora de suas empresas, outros perdem a relevância no que antes eram considerados competentes e únicos. Sentem-se abandonados e se cobram por terem levado a vida tão a sério durante tantos anos para cumprir metas ao invés de sonhos. Buscam emprego e em algumas entrevistas são confrontados se possuem inteligência emocional, capacidade de se relacionar, de se comunicar. Se são criativos, ousados e versáteis. Se estão dispostos a se adaptar, experimentar e a colaborar com várias pessoas em projetos inovadores. Alguns, nesse instante, fazem uma regressão de pensamento que remete à sua infância, quando a única coisa séria que podiam fazer era brincar. E havia tudo isso que aquela empresa está pedindo. Brincavam, eram criativos, ousados e colocavam suas emoções no jogo. Experimentavam, brincavam em equipe e eram adaptáveis. Ralavam o joelho mas logo levantavam e seguiam o jogo, afinal o propósito era muito maior que um pequeno erro. Exploravam e eram confiantes em surpreender.
O ponto é. Não dá mais pra negligenciar o poder do brincar na aprendizagem e no trabalho. Brincar em qualquer fase da vida é permitir que sua autenticidade aflore e o melhor de nossos talentos entrem na brincadeira. Não é possível vincularmos o brincar apenas aos primeiros anos de vida, pois o mundo de hoje demanda mais o brincante que há em cada um. Já dizia o Arquimedes que brincar é condição fundamental para ser sério.