Nesse ultimo domingo, muitas belas homenagens aos papais tomaram nossos feeds e stories. Lindo de ver. Mas também vi publicações que valorizaram as mães pelo papel duplo de maternidade e paternidade que cumprem diariamente. Como também posts de mães solo que por razões diversas assumiram sozinhas a árdua tarefa de gerir e criar seus filhos.
Há portanto um outro lado dessa relação pai, filhos e sociedade que quero abordar aqui. E pra isso começo com uma pequena história. A atleta americana Allyson Felix, ao receber o bronze em Tóquio, se tornou a maior medalhista olímpica do atletismo da história. Sua décima medalha no entanto, não veio apenas nos 400m percorridos na pista do estádio olímpico. Veio com luta e ativismo em defesa dos direitos das mulheres e mães. Allyson, já multicampeã anos antes, decidiu ser mãe em 2018. Sua patrocinadora anunciou que oferecia um contrato com reduções em 70% de seus ganhos em função da maternidade e que não garantiria penalizações por conta de baixo rendimento no seu retorno as pistas. Allyson então decidiu soltar a voz em protesto. Um manifesto que iniciava com uma frase:
“Nossas vozes tem poder”. Depois de sua voz, outras vozes de mulheres atletas foram ouvidas. Sua patrocinadora voltou atrás e garantiu os mesmos direitos e contrato sem penalizações por conta da maternidade. Allyson voltou a competir, ganhou mundiais, quebrou novos recordes e se tornou a maior de todas no atletismo olimpico em sua quinta olímpiada, já mamãe.
Essa história é inspiradora e como pai de duas meninas, vejo como mais uma vitória na dura batalha da equidade de gênero. Mas reflete exatamente o que acontece em sociedades machistas. Grandes organizações, governos, e instituições tomam decisões arbitrárias e preconceituosas como no caso de Allyson, todos os dias mundo afora. Segundo o ultimo relatório do Global Gender Gap 2021, com relação a equidade de gênero, o Brasil está em 93 lugar entre 156 países, e na América Latina a frente apenas da Guatemala.
Mas o que isso tem a ver afinal com o dia dos pais? Sociedades machistas se originam de pais machistas. A paternidade tóxica e machista gera filhos, netos e bisnetos preconceituosos que estão por aí em cargos de liderança e tomadas de decisão. Pais machistas educam filhos machistas. E esses mesmos pagam menores salários às mulheres, assediam e até violentam, haja vista os números terríveis de mulheres violentadas e mortas por homens e pais.
Como pai, oriento minhas filhas, quase como um mantra, a exigirem respeito, acima de tudo. A lutarem por seus direitos, suas liberdades, independência e seu amor próprio. A não tolerarem violência de qualquer natureza e a não se calarem diante de uma sociedade machista e preconceituosa que ainda resiste.
Porque infelizmente os machistas de plantão perseveram diante do silêncio, do medo e da submissão de suas mulheres e seus filhos. Esposas permanecem caladas em casa diante de atitudes machistas de seus maridos e filhos e até a família inteira fingem que tudo está bem por temor a esse pai. Mas o silêncio conforta o machão e fortalece sua causa de domínio.
Quantas mães e filhos se calam diante de um pai que se sente no direito de não precisar lavar a louça? Quantas mulheres se calam por um marido que não troca fraldas, que não acompanha a lição de casa ou nunca comparece a reunião da escola? Quantas mulheres toleram em silêncio o fato do maridão não “saber” cozinhar ou nem cogitar levar os filhos ao dentista? Quantos filhos homens se sentem pressionados por um pai que estimula o assédio e a precocidade sexual? Quantos filhos adolescentes se calam quando um pai ou um tio fazem aquelas piadas de mal gosto e preconceituosas?
Quantas mulheres se calam quando o marido se sente no direito de levantar a voz para elas? Quantas mães estão resignadas em educar seus filhos sozinhas? ainda aceitam a subserviência calada? O caso de Allyson, que lutou pelos direitos iguais às mulheres no mundo esportivo, é apenas um exemplo do que acontece em todas as áreas, a todo instante no mundo.
Evoluímos em alguns pontos ao longo dos anos, com novas leis, direitos e lutas pelas causas das mulheres. E vejo com orgulho minhas duas filhas se indignarem e colocarem sua voz quando testemunham situações de machismo, preconceito e desrespeito. No entanto estamos longe de uma sociedade mais igualitária no que diz respeito à gênero. E essa sociedade só irá mudar um dia, se mães e filhos soltarem suas vozes e não se calarem. E começar em casa é o caminho. Que tenham coragem de dizer: Sim, você vai lavar a louça como todos, e deve trocar as fraldas de seus filhos. Você pode fazer o almoço e limpar a casa também. E não, você não pode falar comigo assim, nem levantar a voz ou fazer piadinhas machistas. Parece bobagem, mas só assim as incubadoras de machões perderão aos poucos espaço.
Afinal, como diria Allyson Felix, “Nossas vozes tem poder”. Ë o que desejo como pai. Que minhas filhas se sintam respeitadas em sua casa, na escola, em sua vida e escolhas. E que seus futuros sejam com igualdade, amor e respeito. E que os pais dividam igualmente a árdua e nobre tarefa de educar e transmitir valores aos filhos.
Desejo pais melhores para o mundo. E esse chamado deve ser de todos. Como diria um amigo, também pai, que admiro: para ser um bom pai, é preciso também ser um bom marido, um bom filho, um bom homem.
Gratidão e muito amor à minha esposa e filhas por terem me tornado pai. Minha maior missão e aprendizado.