Criatividade não é comigo.
Ah não, eu não sou nem um pouco criativo.
Isso é coisa de artista.
Você já ouviu essas máximas antes? Ou quem sabe até você mesmo já as disse?
De acordo com o relatório Future of Work, publicado em 2018 pelo Fórum Econômico Mundial, a criatividade é a uma das três habilidades mais importantes para o trabalho e para as profissões, juntamente com resolução de problemas complexos e pensamento crítico. Já o Linkedin mostrou em levantamento próprio em que a criatividade foi a soft skill mais procurada pelos recrutadores em 2019. E ainda uma pesquisa da Adobe, State of Create, feita com 5.000 pessoas nos EUA, Reino Unido, Alemanha, França e Japão, afirma que apenas uma em cada quatro pessoas acredita estar aproveitando seu potencial criativo e que 75% se sentem muito mais pressionados a serem produtivos do que inovadores no trabalho.
Esses trechos foram compartilhados na última edição da Revista Você S.A, em matéria especial na qual fui entrevistado, e que estampou em sua capa – “Liberte sua Criatividade”. Dados hoje demonstram o quanto dependemos do potencial criativo humano, mesmo em um mundo cada vez mais tecnológico e complexo. A criatividade deixou de ser subjetiva, para entrar na objetividade das listas, rankings e pesquisas de negócios e inovação. Sempre considerada por muitos – equivocadamente – como uma habilidade privilegiada de artistas, tem sido negligenciada há décadas ou até séculos pelo mundo do trabalho e dos negócios. E por nós mesmos.
Por quê?
Se nascemos com essa habilidade e quando crianças a exercemos em sua máxima potência de forma autêntica e livre, por que ao longo da vida a deixamos de lado a ponto de negá-la quando nos tornamos adultos?
Por que quando crianças perguntamos muito, somos curiosos e imaginativos e nos tornamos tão rígidos e pouco surpreendentes quando crescemos?
Será que não nos tornamos sérios demais, céticos demais, padronizados demais?
Essas são perguntas que sempre levantamos em nossos treinamentos no mundo dos negócios. Jogamos essas questões no ar, já que adultos não perguntam tanto quanto as crianças. Adoramos o conforto das respostas prontas, não é mesmo? Mas são justamente as dúvidas e a curiosidade as bases da criatividade humana e não as respostas e certezas.
Por que continuamos a treinar crianças a serem obedientes e repetidoras, e não questionadoras e criativas?
Por que a escola que conhecemos não valoriza os talentos individuais e as múltiplas inteligências de jovens e insiste na massificação de testes e padrões que já não se aplicam num mundo profissional muito instável e mutante?
Por que as tais soft skills, que nada mais são que as habilidades naturais humanas, não são parte do currículo acadêmico de uma vida, não para estimular a criatividade mas sim para apenas dar vazão a ela já que pertence a todos?
Por que não?
Perguntas que falam por si. E que há muito tempo deveriam ser respondidas e não foram, justamente pelo medo que temos de quebrar padrões, questionar o status quo e do julgamento alheio. O que vão dizer de mim se eu questionar ou der uma ideia ousada?
Inovar pressupõe risco, mudança e coragem. E para falar de inovação na prática, é preciso falar primeiro de educação. De reeducação, desaprendizagem e reaprendizagem. É uma responsabilidade de toda sociedade. Vemos o quanto a falta de educação de países inteiros para a criatividade e a inovação faz falta em situações graves como a que estamos vivendo hoje, com a pandemia do novo coronavírus. Mais do que nunca dependemos da ciência, da cooperação, da solidariedade, da adaptação e da criatividade humana. Jamais dependemos tanto da arte, do esporte e da música para nos mantermos saudáveis e equilibrados em casa. E não são essas as tais “disciplinas” consideradas menores, optativas e até descartáveis nas escolas?
Empresas precisam entender que só a capacidade criativa humana poderá gerar inovação para seus negócios e seus projetos. Falar de criatividade no ambiente profissional, em todos os setores deixou de ser discurso para se tornar essencial para as organizações e para sua empregabilidade. Um dado interessante na mesma pesquisa State of Create, mostra o valor prático da criatividade para o desenvolvimento profissional. “Profissionais que se consideram criativos ganham, em média, 13% a mais do que os demais colegas. Por isso, mesmo que seu ambiente não desperte sua criatividade, é melhor encontrar uma maneira de estimular essa habilidade, nem que seja para se preparar para um novo emprego, ou para tocar um negócio próprio. Vai ser bom para sua carreira e seu bolso.” Mais uma razão para dizer, criatividade é para todos.
Nações inteiras precisam entender que pessoas pensantes, críticas e criativas poderão inovar na saúde, na ciência, na educação e em toda e qualquer área de trabalho hoje existente, e principalmente nas que surgirão no futuro e que será herdado por nossos filhos. Criatividade é para todos. Todos. Basta aceitá-la como parte de nosso modelo operacional – o humano. E incorporá-la de vez ao hábito diário. Velhos hábitos simples que tínhamos de forma solta e leve na infância podem ajudar muito nesse desafio, como voltar a ser curioso, experimentar, perguntar, não ter medo de errar, imaginar possibilidades e colaborar.